quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Consultor Multi-usos

Contito A vida profissional de consultor é vida dura, que a concorrência é feroz! Esmaga margens a um limite nunca antes suspeitado, tem custos asfixiantes e então os prazos são impensáveis! Por vezes, para não perder o cliente, são noites e noites sem despegar. Há quem fique à beira da exaustão. É compensador, isso é, mas o profissionalismo de nível internacional tem de ser pago, é óbvio… Carro da empresa, bom carro sempre, para não dar a imagem de uma consultoria indigente e, claro, salários condignos, numa única parcela: 10.000, 20.000 ou 50.000. Não há qualquer semelhança com as facturas da EDP, que cobra mais de metade a título de desculpas rançosas disfarçadas de taxas disto e daquilo. O ambiente da consultoria empresarial é muito exigente e é por isso que também é tudo em grande. Recomenda-se, todavia, antes de apreciações precipitadas, que se tenha em conta o grau de exigência destes peritos. Só os mais dotados sobrevivem. É um esforço continuado, uma dedicação a toda a prova ao cliente, aos partners, à administração e aos outros stakeholders. E não há garantias da hora de chegada a casa. Ou se tem um parceiro ou parceira que trate dos putos e que faça a gestão dos amigos ou a coisa complica-se. Veja-se o exemplo de uma consultora jurídica. São pareceres e mais pareceres, cruzando vários códigos e ordenamentos jurídicos, chega todos os dias a casa exausta e frenética, ainda a destilar CPA, IVA e Direito Internacional Fluvial. Se os filhos lhe pedem ajuda a geografia, ela mostra onde é o país, suas montanhas e rios. E para enjoo dos petizes ainda os inunda com a jurisprudência que nessa tarde plasmou num parecer sobre investimentos do grupo na aquacultura fluvial nesse mesmo país. Os consultores informáticos não estão submetidos a menor esforço. Também eles chegam a casa, quando chegam!, com os neurónios a ruminar bugs que poisaram na aplicação que já devia ter entrado em produção na Polónia na semana passada. E se a mulher lhe fala em esparguete ele lembra-se de strings. Se a filha se atrasa mais uma vez, ele fica furibundo com tanto time-out e a simples queda de um prato na carpete turca o leva a fazer inenarráveis especulações sobre crashagens, o que põe toda a família em overflow. Mesmo em especialidades sem tais rigores tecnológicos, o desgaste é igualmente uma constante. Por exemplo, um consultor teatral anda sempre pelos cabelos com os tiques dos actores, os truques dos autores e envinagrado com os financiadores. Sonha com a sonoplasta que não pára de lhe espetar o decote na fidelidade conjugal e tem pesadelos em que Molière lhe dá sete berros sempre que as coristas falham o compasso. Num quadro tão exigente, o amigo do Consultor Multi-usos surpreende-se. Como é que ele tem avenças de consultoria com tantas empresas... e sempre na maior das descontracções. Qualquer consultor chega a casa meio-morto, sem paciência para nada, exaltado ou abatido e ele sempre fresco que nem uma alface. Um dia não resiste e pergunta-lhe o que é que faz para as empresas de que é consultor avençado. Pergunta-lhe se faz estudos de mercado. Projectos de engenharia? Pontes, casas ou decoração de interiores? Pareceres que fundamentem recursos para os tribunais de segunda instância? Optimização de processos de negócio? Gráficos da evolução da facturação e explicação do atraso nas cobranças? Tendo obtido como resposta apenas um sorriso matreiro, insistiu: - Afinal de contas, explica-me lá, como é que tu és o único consultor avençado que eu conheço que leva uma vida regalada?! Almoças só nos restaurantes de dez estrelas, chegas a casa a horas decentes e não tens úlceras no estômago?! - Vê-se mesmo que não estás no ramo! O meu ‘métier’ é mais no domínio da estratégia. Uso uma ferramenta de gestão muito potente, uso-a a torto e a direito: o telefone. Umas chamadas para este e para aquele e para quem decide ou para quem conhece quem conhece, percebes?! É a minha técnica de gestão número 1, número 2 e técnica de gestão número 3. O telemóvel resolve tudo. Mais umas reuniões lá fora, fora das vistas da concorrência e de gente metediça, como os jornalistas e assim, e está o dia ganho… - Ah, bom, então, mais dia, menos dia, chegas lá mesmo ao topo, não?! - A gente safa-se! Ainda me ‘há-des’ ver bem na vida, pá! Uns ‘bitaites’ para aqui, lábia para acolá… Com discrição, bons contactos e amigos nos lugares certos tudo se compõe, percebes, pá!!!

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