segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Ante-estreia absoluta, Versão Beta

. Conto para Meninos O pardal de bico amarelo adorou a festa de arromba Amizades de bichos e meninos No tempo em que os animais falavam… Naquele tempo, o Pardal passou a dar boleia ao seu amigo Grilo, voando com ele às costas por toda a Arrábida. A Lagartixa também voa às costas do Pardal e é frequente voarem os três. O Pardal vai buscar a Aranha à sua teia, trá-la com muito cuidadinho, bem presa no bico. Ela produz fio de aranha com que ata a Lagartixa aos costados do Pardal e depois o Grilo escarrancha-se no pescoço dela com a cabeça virada para trás. Diz que assim fica mais confortável. Souberam de uma festa no Alentejo e toda a bicharada resolveu ir. E levar a Maria... Como levar a Maria Houve uma proposta maluca de a levar pendurada pelos cabelos, mas o Grilo Pimpão discordou de imediato, no que foi apoiado pela maioria dos animais que conhecia a Maria ou que já tinha ouvido falar dela: ... - Tu és doido ou quê?! Era o que faltava, isso era uma falta de respeito! E ela não merece. É uma pessoa humana muito atenciosa para a bicharada da Arrábida, trata-nos bem, deixa-nos brincar com os 5 Meninos de Azeitão e tu queres desgrenhá-la! Tem juízo! Havemos de encontrar uma maneira melhor. … Experimentado o cesto, um bando de gaviões, águias e cegonhas foi ao local da festa reconhecer o caminho. Queriam saber onde estavam os sítios para descanso, as melhores paragens para os xixis da Maria e locais mais fartos para comer. O Grilo Pimpão, por sua vez, foi a Azeitão combinar a data do embarque com a Maria. Foi às costas de um flamingo e acompanhado por uma comitiva de falosas, cegonhas pretas, noitibós e abelharucos. Para a ela se ir habituando à bicharada e para ver que toda a Arrábida estava em picos por andar ao lado dela pelos ares, até ao Alentejo. Maria pelos ares fora ... - Então é nesta caranguejola que vocês me querem levar? perguntou a Maria enquanto observava cuidadosamente o transporte aéreo que os animais da Arrábida lhe tinham fabricado. … Uma águia-real da guarda de honra, ao ver a Maria tem-te não cais, picou sobre ela, cravou-lhe as garras no xaile cruzado nas costas e levantou-a por instantes. Foi o suficiente para entrar no cesto sem mais dificuldades. Ela então compôs a roupa e observou de perto o grande casulo descapotável que cheirava a trapos e a seda. Viu e apalpou o assento, onde se sentou. Não percebeu para que serviam duas tiras muito vem revestidas de penas vermelhas que ladeavam o assento. Foi o Grilo Pimpão, entretanto já no parapeito do cesto, a informar num cri-cri cúmplice: ... - Já reparou que também lhe fizemos cintos de segurança?! Um monte no Alentejo ... o Pardal de Bico Amarelo saltou para um ramo da trepadeira e reparou então no vasto terreiro à sua frente, limpinho, nem uma folha, nem um caco, nem sequer um carro. Olá! Aposto que é aqui a festa, isto cheira a sala de petiscos, pensou, a aguar. … E lá foram, viram todos os quartos, as salas, e já iam a sair quando a Lagartixa Gervásia desabafou que tinha tanta pena de não ter uma lareira, sempre lhe aquecia um pouco o sangue! Para desanuviar, o Francisco foi mostrar aos seus amigos animais a parte do olival onde todos os humanos iam de romaria. Levou ao colo os dois primos mais pequenos, meteu a lagartixa e o grilo no bolso, pôs o pardal num ombro e desatou a correr terreiro abaixo até ao poço. … Os bichos da Arrábida foram desandando e daí a pouco só lá ficaram o pardal, lagartixa e o grilo. Nisto chega a Quinas, acordada da sua sesta e acordada com os azeites: ... - Bonito serviço... Esta bicharada está doida ou quê! Que é que ficou aqui a fazer este cavanejo tão grande!? Maria! Maria!!! Pelos vistos isto é negócio teu… Nem pensar, não quero este trambolho aqui, toca a tirar isto daqui! Já, já, já! Rápido, isto não é parque de estacionamento! Tudo lá para trás… Festa de arromba Fez-se noite, as mesas todas ocupadas e só se ouvia um barulho macio, constante, um remoer permanente. O Grilo Pimpão, que tinha pedido para o porem em cima do parapeito de uma janela, para ver como se comportavam os seus amigos da Arrábida, percebeu logo tudo. Os humanos mastigavam, os pássaros depenicavam, os insectos, trincavam, as larvas roíam e todos bebiam. Os açorianos matavam saudades dos caldos e das açordas, das cabeças de borrego, das costeletas bem assadas e do vinho do Alentejo, fartos do vinho de cheiro… Os belgas, enjoados das comidas de aviário e de vinho de beterraba, deliciavam-se com sopas e ensopados, cilarcas e túbaros, tudo bem regado até os olhos de alguns piscarem como pirilampos… … ... - Oh compadre Bigodes, isso nem parece seu! Olhe lá, vai uma apostinha!? Se vossemecê enjoar no nosso cesto oferecemos-lhe uma semana na Arrábida, para recuperar. Com pensão completa. Aquilo é de uma suavidade… pergunte à Maria de Azeitão, sabe quem é? ... - Então não havia de saber, aquela também! Andar num cavanejo… .. - Olhe que está enganado! Se o compadre experimentar vai gostar. ... - Está apostado, mas deixa-te lá de cesto! Qual cesto! Nem cesto nem meio cesto, aquilo é um cavanejo. Lá porque não tem pegas não deixa de ser um cavanejo. Nem me fales mais em cesto, isso é que me enjoa… ... - Pronto, amigo, “atão” fica cavanejo, “tá beim”, e se “enjoári” passa uma semana connosco, tudo por conta da Arrábida! gozou o Grilo Pimpão, feito malandreco, a imitar o sotaque do seu novo compadre. Entretanto começaram as cantorias. Cantes à alentejana e cantigas à desgarrada. O Bigodes enterrou o boné na cabeça para se inspirar melhor e respondeu provocante: ..... Cala-te aí oh Pimpão, ..... Tens voz de cana rachada! ..... És um escaravelho em acção, ..... A boca cheia de nada... … Lá para as tantas, o Grilo Pimpão deu por si de pernas para o ar, abriu um olho, estremunhado, mas não conseguiu ver nada. Ouviu um ronrom contínuo, uma roncaria. Reparou depois que era o ressonar da bicharada, bichos de tantas espécies, tamanhos e feitios a ressonar como trovões. Rodou um pouco, mas desandou, ficando com os queixos num copo deitado. Sem forças para se aguentar nas canelas, caiu de borco e foi assim que o encontraram de manhãzinha, todo descomposto, uma perna para cada lado e asas à banda. Voltinhas no cavanejo A segunda passageira a experimentar o cavanejo aéreo foi a açoriana de Évora. Tão habituada a andar de avião que nem ligou ao saco das ofertas para os primos. Num balouço maior caiu um ananás de S. Miguel em cima de um carro. Ofendido, o dono fez manguitos para cima, arengando sobre a propriedade privada, a ministra da educação, a crise e a falta de respeito que por aí anda. Ao voltar, agarrou-a pelo gasganete e chamou-lhe desastrada, meu rico carrinho, uma alentejana com sotaque de queijo da ilha é no que dá… Os gaviões não apreciaram estes modos e, amantes da cortesia, agarraram-no num ápice, meteram-no no cavanejo aéreo, que subiu rapidamente com ele a esbracejar, furibundo. Só acalmou quando, lá de cima, viu a tapada e a imaginou rodeada de moradias, heliporto, campos de golfe, spa, marina e um posto da GNR. No regresso ao monte, os seus olhos brilhavam de emoção, fez uma festa no gavião da frente e agradeceu à sua maneira: ... - Ah, gaviões dum cabrão… Fim de festa azarado Carregaram a Lagartixa Gervásia para cima das cilarcas e logo que o Grilo Pimpão se empoleirou no seu cantinho preferido do peitoril, os gaviões agarraram as cordas, puxaram-nas… e o cavanejo não se mexeu um milímetro. Que será, que não será, e os gaviões experimentam outra ver levantá-lo, batendo agoara as asas com mais força. Sem resultado, as cordas ficaram muito esticadas mas a carga não saía do chão. Surpreendidos, tiram a camada de cima das cilarcas e experimentaram outra vez, novamente sem sucesso. O Avô e a Maria foram ajudar e, mal se inclinaram para o cavanejo, viram uma camada de garrafas de vinho. ...- Ah malandros… … Mal se apanharam a dois metros de altura ficaram a pairar no ar, um gavião entrou no cavanejo, esgravatou nas cilarcas e tirou lá do fundo uma garrafa de litro e meio de espumoso da Bairrada. Agarrou-a pelo gargalo com as duas patas e voou com ela a bandear-se sobre o Avô e a Maria, pasmados com tal atrevimento, até ouvirem o coro de gaviões a cantar: ..... Oh Avô do vozeirão, ..... Desculpe qualquer coisinha, ..... Foi coisa de gavião, ..... No fim da festa rainha. ..... Era tinto p’ra recordar, ..... A Maria no coração, ..... E os noventa celebrar. ..... Adeus e até Azeitão. *

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