Obrigado Porto Editora
Contito
Costa
da Caparica, 21 de Março de 2009
Querida
Mãe
Estou a aproveitar o feriado para lhe dizer o que
devia ter dito ontem. Há coisas de que não gosto de falar, como já sabe. Ontem
quando estivemos ao telefone lembrei-me disto, mas não me saiu… mãe é mãe, e a
Mãe percebe. Felizmente! Já sabe que desde miúda só lhe dou notícias por
escrito, não sei porquê, mas, que hei-de fazer!? Gosto mais de lhe escrever a
dar notícias, assim saboreio melhor o que lhe digo, as boas notícias.
Lembra-se quando lhe comuniquei que ia assentar, que
eu e o John íamos juntar os trapinhos, isto ainda em Los Angeles? E lembra-se
quando lhe escrevi a carta manchada de lágrimas, uma carta especial, a minha
primeira carta de casada? Hoje é a mesma coisa, só que esta é a minha primeira
carta de mãe babada.
Pois quero dar-lhe notícias! E também quero pedir-lhe um
favorzinho. Mas só depois das notícias. Cá vão, à americana, as duas notícias,
a boa e a má.
A boa, estou grávida, Mãe, e estou tão contente! Está
tudo bem, o bebé e eu, por aí nada a registar, mas o John parece maluco. Está
encantado, às vezes nem sei, olho para ele e sinto-o ainda mais feliz do que eu,
até gagueja. E o português a fraquejar, ele que já falava tão bem. Deve ser do
nervoso.
E eu, que podia ter alterado o meu comportamento, ficar
impertinente ou piegas, tenho estado óptima, até os enjoos suporto bem. Nem
tenho tido desejos, com uma excepção, valha a verdade! Bom, não vale andar com
rodeios com a Mãe. O John, assim que me viu grávida, abraçava-me a toda a hora,
sempre colado a mim, beijocaria até mais não, só que não passava daí…
Tive de lhe dizer que gravidez não é doença e ele
nada! Então insinuei que há coisas que continuam a fazer falta, embora com mais
cuidado e ele continuou a fazer-se desentendido. Quando esgotei os argumentos e
a paciência, carreguei com ele para o ginecologista numa consulta de rotina,
depois, claro, de ter telefonado ao médico, pedindo que lhe lesse a cartilha.
Resultou, Mãe, resultou! Muito a medo, lá se decidiu,
com mil cuidados e acho que até fica surpreendido de eu não entrar em trabalho
de parto a partir de certa altura. Tenho de insistir com ele, lembrar-lhe o que
o médico disse, que não há perigo, que com cuidado tudo corre bem. Lá acede aos
meus pedidos, coitado, embora não pareça muito convencido quando lhe digo, a
sorrir, que há contrações e contrações…
Bom, agora a má notícia. Mãe, depois de virmos dos States, o meu querido John já nem
parecia um gringo da costa leste, tinha o sotaque, isso compreende-se, mas
falava um português muito aceitável. Os nossos colegas da Nova não paravam de o
elogiar e agora, de repente, parece que teve uma recaída. Até acredito que a gravidez tenha tido alguma influência e que a
expectativa de ter um filho lhe baralhe os neurónios! Tanto erro de
português, tanto disparate!
Mãe, veja só a amostra: o John diz "comprastes" e "fostes"
a torto e direito. E "conssíígamos" ou
"bêêbamos" são outras das suas
barbaridades. Ponho-lhe o Conjugar
dos verbos do Priberam debaixo do
nariz e ele continua na asneirada. Que desespero!
A Mãe é
que o podia ajudar, agora que
moramos mais perto. Vinha passar uns fins-de-semana connosco e nem que o
pusesse a cantar as palavras correctas em tom de barítono...
A sua experiência de Professora certamente que lhe dobraria
a língua. Em pouco tempo, o meu querido John havia de perceber que, na língua
portuguesa, não há quarta pessoa do singular! E que viste e percebeste são
as formas correctas da segunda pessoa do singular, a especializada no tu. Já
agora, também o podia pôr a cantar tenhamos,
vejamos ou compremos, imitando a voz linda da Ana Bacalhau, dos Deolinda, até
ele os dizer com o mesmo delicado cuidado com que faz certas coisas…
Com o amor
da sua filha que precisa muito de si,
Francisca
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@ Manuel A. Madeira