Este artigo é aqui reproduzido sem comentários, pois é uma peça grandiosa, apenas se louvando o autor José Goulão e o diário que o publicou:
José Goulão
Pirataria do século XXI
08 de Junho, 2010
Ocupação militar, espoliação de terras, colonização ilegal, apartheid, racismo, segregação religiosa, terrorismo, punições colectivas, guerra ignorando a vitimização de civis… É longo o rol de crimes contra o direito internacional e contra os mais elementares direitos humanos cuja autoria pode ser assacada ao Estado de Israel.
Dir-se-á que faltava ao elenco um caso flagrante de pirataria nos mares internacionais.
Agora já não falta. O Governo e as tropas de Israel preencheram essa lacuna atacando uma frota pacífica de oito barcos que pretendia entregar meios de subsistência à população da Faixa de Gaza, mais de milhão e meio de pessoas que vivem há três anos numa espécie de campo de concentração onde tudo lhes é vedado e nada permitido.
Barcos e helicópteros de guerra atacaram com inaudita violência, em águas internacionais do Mediterrâneo, os navios transportando activistas da paz e da solidariedade de 40 nacionalidades. Pelo menos nove foram assassinados – mas sabe-se que há “desaparecidos” – corpos “atirados borda fora” pelos flibusteiros comandados por Netanyahu e Barak, segundo o relato de sobreviventes na zona do massacre.
“Legítima defesa”, explicam as autoridades israelitas para o facto de terem entrado a matar com rajadas de armas automáticas para limpar caminho até se apoderarem do principal barco da frota, o Mavi Marmara, de pavilhão turco. Os activistas, “aliados da Al Qaeda e de outros grupos terroristas”, segundo as versões governamentais, “transportavam armas para o Hamas”e atacaram e feriram os primeiros soldados a desembarcar. Em sua defesa, o exército de Israel divulgou fotos do “arsenal” que encontrou a bordo: facas, correntes, martelos, chaves de fendas, cordas – tudo o que pode ser encontrado no porão de qualquer navio – e também umas fisgas, que aliás consideraram “sofisticadas”. Até onde iria o Hamas com tão extraordinários meios bélicos!..
A “legítima defesa” pode ser avaliada em números, além dos mortos, desaparecidos, feridos e barcos apresados: 30 balas em nove corpos disparadas à queima roupa, a maioria delas à cabeça e ao peito das vítimas. Se os piratas tivessem outra nacionalidade – e deixo ao leitor a tarefa de escolher as que quiser imaginar – estaríamos agora perante uma grande mobilização da comunidade internacional para que se fizesse rapidamente justiça e os prevaricadores fossem exemplarmente castigados. Sanções duras seriam certas e talvez se justificassem uns raides militares punitivos, quiçá uma guerra como a do Afeganistão, por exemplo, ou a que está em marcha na Península da Coreia por causa de um episódio muito mal explicado.
Mas como é Israel, país do “mundo civilizado”, acabado de entrar na elite da OCDE, senhor de bombas atómicas, prestes a ser admitido na NATO, beneficiário de um acordo privilegiado de associação com a União Europeia, justifica-se uma diplomacia guiada por todas as prudências para que não haja sensibilidades feridas.
Na Casa Branca, o Presidente Barack Obama está há mais de uma semana a “tentar recolher dados para se inteirar das circunstâncias dos acontecimentos”; o Conselho de Segurança da ONU aprovou um documento em que coloca piratas e vítimas ao mesmo nível de tratamento e promete um inquérito internacional – que Israel já rejeitou porque as Nações Unidas “são tendenciosas”; as instituições europeias, com excepção de alguns sectores do Parlamento, estão mudas, quedas e surdas às insistências para que suspendam os acordos com Israel. O secretário-geral da ONU, Tony Blair e a Sra. Alshton, espécie de ministro dos Negócios Estrangeiros da União Europeia, limitam-se a dizer que seria bom aliviar o bloqueio a Gaza, não por ser desumano mas sim “contraproducente” – parece que combinaram todos usar esta palavra que, no contexto em causa, pouco ou nada quer dizer.
Preparemo-nos, pois, para que nada aconteça aos novos piratas do século XXI. As organizações da Frota da Liberdade estão a reunir todas as provas, documentos, testemunhos e imagens para apresentar à ONU e para levar os governantes de Israel ao Tribunal Penal Internacional de Haia.
Algo me diz, estimados leitores, que vamos ficar a saber tudo o que se passou e que, mais uma vez, nada aconteça. A isto chama-se “ordem internacional”.
http://jornaldeangola.sapo.ao/19/50/pirataria_do_seculo_xxi
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