quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O mito integrador das praxes


 
Estão as praxes na berra e enquanto uns contestam a humilhação dos estudantes outros berram o seu efeito integrador.

Uma fraude e uma mentira, esse integracionismo.

Uma mentira demonstrada em Lisboa e no Porto, durante muitas décadas, antes da atual onda praxeira. De facto, nunca nenhum estudante destas academias se lamentou de deficiente acolhimento e não havia aí qualquer praxe!

E a verdade, a verdade sem malabarismos argumentativos nem truques retóricos, é que é nas aulas, nos intervalos, na cantina e nas associações de estudantes que, conversa a conversa, olhar a olhar, os colegas se sintonizam e se vão sentido da casa.

Os novos a perguntar onde é isto e aquilo, os mais velhos a sugerir visitas aqui e ali, manuais mais baratos e horas de atletismo. E todos, alunos, professores e funcionários, a sentirem empatias, a marcarem distâncias ou a construírem amizades.

Nada disto é novidade. É assim desde que se começam a desenhar as asinhas dos a e a pôr as pintinhas nos i. E sempre que se muda de escola o processo repete-se. Onde é a cantina? Que tal a comida? A gaja da biblioteca é muita boa! O Sacana de Química 1 faz-me sono. Pois, mas a de Materiais 2 deixa-te de olho esbugalhado toda a aula e não dá más notas...

Tal como fora da escola. É assim na vida, aos poucos, entre informação e diversão, brincadeiras e petiscos, tristezas e alegrias, que as pessoas normais se integram numa qualquer comunidade. Escolar, laboral, de lazer, nalguns casos para a vida. Pessoas normais!

E aquele mito é também uma fraude porque não são rituais grotescos como fossar como porcos, simular sexo ou encharcar alguém de tinta que integram seja lá quem for. Para já não falar nos crimes cometidos sob disfarce de praxe.

Eis o que a praxe da Universidade do Algarve reserva aos seus caloiros:

b) Ser moderado no uso da palavra, respondendo apenas quando interpelado;

c) Deverá ser servil, obediente e resignada; 

d) A besta não tem opinião sobre a matéria;

e) A besta de modo curial terá que ser peremptória quanto á sua abstinência a actos

de onanismo e reflexos misóginos ou apandríacos;

f) A besta não ri, logo não mostra os dentes;

g) A besta não olha nos olhos;

i) A besta terá que se manter sempre num plano inferior ao dos praxantes;

j) A besta mostrar-se-á sempre respeitosa para com a INSIGNE PERSONA, tanto verbalmente como através da sua linguagem corporal;

l) A besta não reclama;

n) A besta nunca pode falar mais alto que um INSIGNE PERSONA;

p) A besta suplica para ser mais praxada;

q) A besta não fala ao telemóvel, excepto com expressa autorização dos praxantes;

r) A besta deve zelar pelo bem-estar dos seus praxantes, disponibilizando-se sempre para aumentar o seu conforto;

s) A besta nunca anda sozinha na rua;

t) A besta ocupa sempre o último lugar de uma fila;

u) A besta deverá cumprimentar respeitosamente todo e qualquer estudante universitário desta Instituição;

v) A besta é modesta e humilde;



 
Puro achincalhamento! Indignificação humana ao pior nível. Cretinificação da juventude!
 
O antigo Ministro do Ensino Superior, Mariano Gago, pôs há dias o dedo na ferida: as praxes educam para o fascismo.

Portugal precisa de rapazes e raparigas dignos, capazes de se afirmarem no campo das ciências, artes e tecnologias, mas também no domínio da dignidade humana.

E as praxes em nada contribuem para a edificação de uma cultura de civismo, cidadania ativa, com a ética a nortear as suas atitudes.

Por isso, o mito integrador das praxes mais não é do que um disfarce de um certo salazarismo requentado que temos de combater e extirpar quanto antes.
 
Basta de humilhação e não mais mortes induzidas por bárbaros em cores de gato-pingado!
 







 
 

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