Perceba
porque os acórdãos do Tribunal Constitucional demoram tantos meses a parir.
Sim, a parir, pois
ao ler algumas parcelas do acórdão sobre a contestação do PS aos artigos 33º, 75º, 115º e 117º da Lei do Orçamento de Estado para 2014, fica
a ideia de que o relator escolheu as palavras com pinças cirúrgicas. E escolheu 65.369 palavras. 10 % seriam mais do que suficientes.
Comecei a dividir orações n'Os Lusíadas e logo no primeiro Canto, essa renda de
bilros a que poucos sábios metem unha.
Um sofrimento, portanto. Por mais que nos concentrássemos,
raras vezes nos aproximávamos da divisão correta. Uma e outa vez, líamos e
relíamos, contudo perseguia-nos o "inconseguimento". (citação dessa desastrada
figura do carreirismo nacional que é a D. Assunção Esteves).
Pois hoje, tantos anos passados, voltei a passar pelas mesmas passas.
Ao ler o artigo A IMOTIVAÇÃO de Miguel Sousa Tavares, no último Expresso, sou aterrado
por este intragável naco de osso retórico:
"Nenhum critério densificador do significado gradativo de tal
diminuição quantitativa de dotação e da sua relação causal como início do
procedimento de requalificação no concreto e específico órgão ou serviço
resulta da previsão legal, o que abre caminho evidente à imotivação..."
Na cópia que fiz do acórdão, o relator escreveu 65.369
palavras em 76 páginas a corpo 9,5, e os seus colegas, nas respetivas
declarações de voto, redigiram 30.397 palavras distribuídas por 48 páginas.
Feitas as contas apenas sobre o corpo de relatório, dá 16.242
palavras e 19 páginas de prosa por artigo analisado.
Findo o parto, o juiz terá olhado para o maço de folhas e
exclamado, ufano:
– Ah, caramba, foram
meses com o nariz nos códigos, no direito comparado, então aquele alemão... nos
constitucionalistas de Coimbra e no Miranda e olha (a falar para o seu
umbigo) que coisa mais linda, um
monumento! Não há inspeção que não me dê nota máxima.
O Sousa Tavares, que chegou à página 6, terá bocejado, já se
viu:
– Brrrr!!!, rrrr rrrr (ressonando).
E o Formigarras,
avesso a rodriguinhos, a tamanho desperdício de inteligência, saber e
experiência, recomenda vivamente a reconfiguração radical do Centro de Estudos
Judiciários.
Esta casa tem de formar magistrados justos, independentes
sim, mas igualmente eficientes. Ou seja, que ponderem sempre o custo dos seus
próprios atos. As sentenças quilométricas têm de ser banidas dos nossos tribunais.
Também elas contribuem, e muito, para o pântano em que está Portugal.
As próprias faculdades de direito terão de dedicar uma
grande atenção à edificação de uma escola portuguesa de economia jurídica. A
exemplo da Escola
de Sagres, também as universidades terão, quanto antes, de investir
muita massa cinzenta na lógica da simplicidade, na operacionalidade em vez da
rebuscada doutrina e tantas vezes oca jurisprudência.
Tal como na divisão de orações, a melhor pedagogia não é a
de começar pela mais elaborada literatura. CEJ e faculdades, logo no início dos
cursos, podem desenvolver uma cultura de objetividade, pondo os alunos a
desmantelar textos pretensiosos e mitos do direito romano. Dos tribunais da primeira instância aos supremos. Sim, plural: temos dois!
Matéria-prima não falta, os tribunais têm as prateleiras e os discos cheios de maus exemplos. Este acórdão é apenas mais um, mas pode ser exercício de fim de curso, dada a suprema verborreia que o assola.
Matéria-prima não falta, os tribunais têm as prateleiras e os discos cheios de maus exemplos. Este acórdão é apenas mais um, mas pode ser exercício de fim de curso, dada a suprema verborreia que o assola.
Para quem quiser ocupar
insónias, aqui fica o rasto deste diletante constitucionalismo: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140413.HTML
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