Contito
À mesa do restaurante do Bairro Alto, estava eufórica. Uma euforia só sua, interior, emoção controlada, sem sinais exteriores, que ele não precisava de saber da história toda. Talvez um dia... Estava assim por a sua estratégia estar a resultar, ele ter engolido o anzol, bem engolido aliás, e ter acabado com a distância a que sempre a tinha mantido. Até se descoseu e falou na cabra…
A distância fora sempre cortês, sorridente, embora sem a mínima cedência. Uma comunicação profissional, formal, nem uma palavra fora da aridez dos códigos ou da gíria processual. Este gajo nem porra diz! Às suas sucessivas aproximações, nada. Uma parede. Uma parede que nunca lhe fez má cara, valha a verdade, embora só lhe dirigisse sorrisos amarelos… Até que se decidiu por uma estratégia agressiva assim que tivesse uma oportunidade.
E teve. Na manhã de paintball do escritório ia ser o sim ou sopas!
Ficou de olho nele desde o início do torneio. Cruzaram-se quando fugiram ambos do grupo azul, voltou a estar perto dele quando se refugiaram os dois atrás de um arbusto e cruzaram-se novamente a festejar a eliminação do patrão novo, a rebolar-se numa poça de água. Tantas vezes a cruzarem-se e nada, nem um esgar, nada mesmo, parede mais uma vez.
Logo que o teve debaixo de mira ferrou-lhe três tiros seguidos, mesmo em cheio, e nada, nem pinga de reacção apesar de ter ficado bem marcado a tinta roxa. A raiva com que atirou, se fosse uma arma a sério, já ele iria a caminho do céu, o santinho…
Ia a manhã avançada, o almoço à vista, quando finalmente surgiu nova oportunidade. Estava perto dele quando levou um tiro de raspão num braço. É agora, pensou rapidamente, e atirou-se ao chão com ar de quem tinha sido trespassada por uma dúzia de setas medievais. Gritou e fingiu-se muito, muito dorida de um tiro que nem fora ele a disparar. Mas foi ele o primeiro a socorrê-la, que era o que interessava e como definira na estratégia!
Ele observou-a de cima abaixo e nada de anormal viu além da lama, mas de lama estavam todos encharcados. Perguntou onde lhe doía e ele próprio ia caindo quando ela lhe agarrou a mão e a puxou bruscamente para o peito pondo-lha sobre o coração. De facto, tem o pulso acelerado, mas isso foi só do susto, já lhe passa, colega. A colega saboreava o momento e reteve-lhe a mão para que sentisse bem as palpitações. Sentiu as palpitações e pressentiu os olhos de todo o escritório sobre si!
O coração batia forte e ele com forte vontade de bater em retirada, mas ela não deixava. Nem deixou de lhe ligar à noite, mal chegou a casa, para agradecer a gentileza: Fora muito bom tê-lo ali ao lado, não que a dor fosse insuportável, mas estava combalida, acredite colega, a sua gentileza foi tão calmante como cicatrizante.
E na segunda-feira, mal chegou ao escritório, foi ao seu gabinete agradecer pessoalmente. Com um grande abraço, bem apertado, como se ele lhe tivesse salvo a vida com uma massagem cardíaca e não apenas pousado a mão sobre o coração. Mais na mama que no coração, como a estratégia igualmente previra. Se não fosse o colega, outro abraço, mais uns etecetras e o jantar foi combinado. Para as nove, não posso chegar tarde a casa. Aquela cabra não me dá folga…
O jantar foi óptimo, excelente peixe, ambiente tranquilo com a madeira das paredes a envolvê-los na agradável apreciação das catedrais alemãs, da contra-reforma e da gastronomia provençal de Avinhão. O vinho, uma obra de arte, também ajudara. Amolecera o abstémio e mantivera a estratégia nos carris, até ele olhar para o relógio: Tenho a cabra à espera…
Cabra?! No escritório não havia registo de mulher, clientes à parte. Qual é a pressa?! Estou a gostar e tu não pareces nada aborrecido! O tu, a partir do segundo copo da obra de arte, também constava da estratégia e aproximara-os tanto como a mão na palpitação. Temos de ir indo, nem pensei no que me metia quando meti aquela cabra em casa…
Isto arrefeceu um pouco os seus ímpetos, mas não é mulher de desistir por tão pouco. Com isto é que eu não contava! Não lhe apetecia nada uma triangular… Mas estava por tudo, queria lá saber! Depois daquela cena no paintball não se ia deter, ainda por cima com a outra, pelos vistos, em fim de ciclo! Fora breve a hesitação, rapidamente retomou a estratégia. Que tal um jazz de fusão na minha casa, é já ali, nem táxi precisamos? Depois do jazz, ainda jaziam suados e a cabra novamente se intrometeu. É melhor eu ir andando, senão tenho a cabra à perna, sabes?!
O que ela não sabia é que no outro dia ia receber uma telegráfica mensagem que a deixou tão encantada como atónita. Jantar em casa dele. Como é que este medricas, sempre com medo daquela grande cabra, tem lata para me levar lá a casa?! Terão acabado ontem por ele ter chegado tão tarde?!
Ainda se interrogava sobre que o que teria acontecido quando ele abriu a porta a medo e quase a empurrou casa adentro. Tenho medo que a cabra fuja… E com razão pois, uma criatura peluda apareceu a correr e se ele não a tem agarrado pelos cornos escapulia-se escada abaixo. Ficou estarrecida:
– Tu és maluco, maluco completo, tens uma cabra em casa!!! Uma cabra num T2 no centro de Lisboa… É esta a grande cabra, uma cabra montesa!!!
Manuel A. Madeira
Lisboa, 5 de Setembro de 2008
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