No mesmo dia em que outra tragédia, em 2001, enlutou os EUA, importa lembrar o crime chileno.
Consumado em 11 de Setembro de 1973, a mando de Kissinger,
então Secretário de Estado americano, suprimiu a democracia no Chile, pondo o
país sob a alçada de uma cruel tirania militar.
Traduziu-se num sanguinário golpe de Estado que substituiu
Salvador Allende, Presidente eleito, pelo testa de ferro dos americanos chamado
Pinochet.
Talvez a estratégia Allende tenha sido inconsistente ao
ignorar os interesses dos EUA e pagou por isso. A nacionalização de
setores-chave da economia beliscou interesses americanos e acionou a reativa
escalada belicosa.
E a verdade é que a lei internacional – a lei do mais forte
– foi mostrando o seu desencanto com as medidas do Poder Popular através de
recados e de atos terroristas que antecederam o golpe.
Um dos mais conhecidos foi o do bloqueio dos transportes,
com a infestação das estradas com pregos que estraçalharam milhares de pneus.
Sendo o Chile um país com 4000 quilómetros de comprimento, o seu sistema
circulatório foi comprometido e a economia seriamente abalada.
Não cedendo a esta chantagem e contando com o tradicional respeito
das forças armadas chilenas pelo poder civil, Allende confiou na lealdade do Pinochet.
Este, porém, traindo as suas falsas juras, já manobrava na sombra.
E em 11 de Setembro toda a tropa e a polícia militar,
equivalente à nossa GNR, agiram coordenadamente. Os poucos militares que se
insurgiram contra os golpistas foram sumariamente assassinados.
O saldo da traição foi o assassínio de vinte mil pessoas, muitos a sangue frio,
o esmagamento de quaisquer liberdades, trinta mil prisões
arbitrárias e a entrega de indústrias nacionalizadas aos anteriores
proprietários americanos.
E a bandeira dos Chicago
Boys, arvorada em modelo da economia chilena, ungiu o liberalismo sem
controlo instalado pela pinochetada.
40 anos depois, que lições tirar deste crime impune?
A primeira, foi a do inglório radicalismo que tanto sofrimento
e morte causou. E os 17 anos de enterros de pessoas e liberdades provocados
pela ditadura, pondo o Chile de luto e em lágrimas.
Do ponto de vista estratégico, destaca-se a deficiente avaliação
das forças e fraquezas e a ausência de informação militar. Valeu a pena
nacionalizar interesses dos EUA naquilo que a Segurança Nacional americana
considerava o seu próprio quintal? Não teria sido possível alguma moderação na
nacionalização de empresas estrangeiras?
Quanto à informação, tivessem os órgãos de soberania fontes
fiáveis no seio das forças armadas, ao mais alto nível, e teria podido contrariar
a conspiração militar.
A terceira lição é a de perceber se os EUA se dão conta do
retorno do seu papel de capataz do mundo. O seu crime de 1973 no Chile foi
cometido a coberto da guerra fria, mas entretanto, já depois desta, muitas
outras intervenções têm feito, um pouco por todo o mundo.
O seu quintal é agora o planeta, com as exceções dos
condomínios russo e chinês e pouco mais. Os americanos tanto prendem narcotraficantes
na Guiné-Bissau como têm bases militares em antigas repúblicas soviéticas, no
Egito ou em Portugal.
Os EUA, desde há muito uma potência global pelas armas,
são-no também pela música, pelos hambúrgueres, pelas mil tecnologias de ponta
que dominam e com as quais dominam o mundo. A esse domínio chama-se império
americano e os impérios não lamentam a sua história. Também nós temos isso a
aprender.
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