quinta-feira, 19 de maio de 2016

Um quisto na cortesia hospitalar. Benigno.



Sempre fui corretamente tratado no Hospital da Luz. Com uma exceção.

Sempre ouvi Senhor aos atendedores e repete-se o Senhor no diálogo com os enfermeiros.

Volto a ouvir Senhor dos técnicos de imagiologia e não há telefonista que esqueça o Senhor.

De igual modo, os médicos de qualquer especialidade têm o Senhor na ponta da língua. Não me lembro de exceção médica neste domínio.

Conclusão, a generalidade dos profissionais do Hospital da Luz sabe o que é e pratica cortesia profissional. Com uma exceção, o quisto, o Laboratório de Análises Clínicas, no piso – 1.

O quisto é certamente benigno, suscetível, portanto, de fácil erradicação. A verdade é que todos os que trabalham naquela casa são feitos da mesma massa, massa moldável com o fermento profissional.

Mas apesar dessa mesma base, os clientes deste laboratório são apenas chamados pelo nome. Em flagrante contraste com o resto da instituição.

Maria, João, Frederico, Silvina, Teotónio. Sim, com os respetivos apelidos. Mas sem Senhor nem Senhora e nunca Senhora Dona, ou simplesmente Dona, o padrão convencional português de cortesia para mulheres.

Como se trata de um estabelecimento de saúde, basta a direção do hospital diagnosticar a maleita, perceber que tem um quisto no seu tecido social e administra a terapêutica.

Em três tempos, promova o gestor do Laboratório de Análises Clínicas a inoculação de Senhor na comunicação presencial dos seus técnicos e extirpa-se a exceção.

Uma ou outra resistência, um arrastar de pés, uns sorrisos amarelos, tudo isto pode ocorrer durante o tratamento de melhoria da cortesia. Pois pode, mas são efeitos secundários, igualmente benignos. E em pouco tempo os seus técnicos adotam Senhor, Senhora Dona e Dona como procedimento de rotina, tal como rotineira é a inserção da agulha na veia e a rotulagem dos tubos, o que tão bem sabem fazer.

Entretanto, o laboratório melhora a sua imagem, o hospital nivela por cima a qualidade do acolhimento e os profissionais são olhados com outros olhos. Olhos de retribuição da cortesia.

E adeus quisto!

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Quadrilheiro - Quadras em 3ª demão

Outra demão, nova versão!




Quadrilheiro


Rimando jogo pedrinhas
e atiro alguns abraços,
dou beijocas às gordinhas
e atormento madraços.


Trafulhas mando às urtigas
em trovas envinagradas,
à má-língua faço figas,
exalto caras lavadas.


Faço quadras quando calha
e à míngua de inspiração,
tapo com tinto da talha
moléstias na rimação.


São versos contra-corrente,
pedem cante à desgarrada,
não fadinho decadente
de gentinha amargurada.


Falam de coisas da vida,
da fortuna, dos quebrantos,
daquela vez de fugida
a lembrar certos encantos…


Rimo quadras destravadas;
sem as musas de Junqueiro
são em Aleixo inspiradas.
Confesso, sou quadrilheiro!



Manuel A. Madeira
18 de Maio de 2010
Rv 9.Maio.2016