domingo, 25 de janeiro de 2009

Garras Almiscaradas

Contito Infantil para Adultos



No tempo em que os animais falavam, era uma vez uma Leoa… Uma bonita Leoa, enérgica e alegre, uma Leoa simpática a quem só destoava um pelito na venta, coisa pouca!
Num certo dia de verão, a Leoa olhou para o céu aguado e sentiu-se melancólica, espreitou as mensagens no computador a e só viu tangas, sondou o frigorífico e sentiu-se vazia. Nada, nada! Nadinha que jeito tivesse! Deu-lhe cá com um amoque, como às vezes lhe acontecia...
Desconsolada, saiu desabrida. Andou por aqui e por ali para desmoer o amoque, cirandou por ceca e meca e o amoque de pedra e cal! Farta dessa cega-rega voltou a casa e atirou-se ao portátil. Abriu o coração e pespegou num texto o que lhe ia na alma. Deu-lhe um título assim-assim, mas o sumo tinha sabor agradável, com belos nacos agridoces. Acalmou-se. Olha, isto é bom para os meus fígados, disse a Leoa, alivia-me, seca-me o amoque.
Tomou-lhe o gosto. Quando o amoque se metia com ela, a boa da Leoa metia-se com o computador e descarregava nele as adrenalinas, branqueava os dias cinzentos e até esquecia os atiradiços pastéis de Belém a chamá-la lá do fundo de uma gaveta aferrolhada a sete chaves. Tinha encontrado um remédio santo. A Leoa que às vezes estava com o amoque tinha encontrado um tomba-amoques: a escrita.
Só escrevia coisas chorudas. Textos pequenos, miúdos no tamanho, mas coisas que tinham que se lhes dissesse, coisas sentidas e desensofridas. Muitas vividas, as mais das vezes eram puro extracto de coração de Leoa boa.
A Leoa viveu assim muito tempo, uma Leoa feliz: a qualquer sinal de amoque ia-se às prosas e adeus amoque! Mas o que é bom não dura sempre e num dia, um malfadado dia, sem prenúncio nem pré-aviso, o amoque voltou. Voltou e queria ficar. A escrita já não o esconjurava e o chá de tília com alcaparras e mel da Tia Almerinda fazia o mesmo que qualquer outro, e xixi não seca amoques, já se sabe!
Estava nesta, quando lhe deram uma ideia. Nem só de escrita vivem os animais, olha, vai para a natureza, a mãe natureza tudo cura, disse o colega bicho-de-conta, professor de histórias, à sua colega Leoa, professora de línguas gringas. Assim fez. Fez caminhadas que a desempeçavam do amoque e, durante a semana, de amoque nem sinal.
A Leoa vivia mais satisfeita que nunca e uma vez fez uma caminhada que nunca esquecerá. Especialmente por uma de muitas razões. Foi numa terra que um dia haveria de ser moura, depois romana e até visigoda para ficarem lá uns loirinhos de olho azul, que dessem àquelas gentes outras cores.
O prometido trilho, lisinho qual quadro de honra Piaget, deu num penar à meia-encosta, barrancos e mais barrancos, estevas e carrapiços, picos e mais picos, picos disto e picos sei lá de quê... A Leoa foi com sandálias e veio com os pés num oito e as garras escalavradas como malaguetas arrepeladas.
Nunca se sentira tão mal. Que desagradável, toda a gente repara, que irão pensar?! Uma Leoa urbana, elegante, pedagoga titular e com as garras naquela miséria...
Chegou a casa e, mal largou a turgia, nem sombra de banho e toca, correu espavorida para a girafa manicura, que lhe fez uma festa. Bons olhos a vejam, há muito que esta linda Leoa não dava um ar da sua graça, então diga lá!
- Acreditei num aldrabão e olhe o estado em que fiquei! Nem sei se lhe vou rogar uma praga...

- Oh, minha amiga, vamos já tratar dessas belas garras. Vai sair daqui uma beleza de Leoa, como não há Leoa igual.

Cortou, aparou, limou e poliu cada uma das garras da Leoa, nas quais também deu a primeira demão de verniz, o incolor, no qual é sobreposta a tinta artística, a que verdadeiramente decora as garras. E agora Leoazinha, que vai querer, lilás esponjado, está muito na moda, vai um estilo tribal ou prefere algo exotérico? Ficou rosa almiscarado, em esmalte de brilho extra.
Conversaram enquanto as tintas secavam, a avaliação e a ministra, as grelhas e o serviçal do PC, os amoques e ele há com cada um que me faz deitar as garras de fora...

- Olhe minha amiga pode ter toda a razão, mas se quer que lhe diga, amigos são flores de estufa, muito delicadas... Têm de ser levados nas palminhas, pensem lá o que pensarem.

- Uma porra! Há gente que não merece! Tão teimosos, torcidos e retorcidos, uns cabeçudos! Então aquele…

- Deixe lá, menina Leoa, pensam pelas suas cabeças, que é que se há-de fazer!? E garras de fora, mesmo garras almiscaradas, querida, não foram feitas para lidar com amigos!



Glossário
TurgiaTralha.



Manuel A. Madeira
Lisboa, 4 de Janeiro de 2009

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