quarta-feira, 28 de março de 2012

Portugal sem freguesias



1. Para lá da troica
As nossas freguesias remontam a tempos anteriores à nacionalidade, tempos em que as mais variadas tecnologias, dos transportes às comunicações, da higiene à energia e à água eram abissalmente diferentes das que hoje usufruímos no dia-a-dia.
Também a gestão, desde então, deu um salto gigantesco: dos espaços à da habitação, da distribuição de bens à da saúde pública e da recreação à das redes de apoio social.
E hoje a sociedade nada tem a ver com a daqueles remotos tempos, tanto no trabalho como no ócio, na alimentação, no desporto e na educação, nas relações familiares e, obviamente, nos serviços prestados pelas autarquias às comunidades.
Esta evolução exige agora uma tecnicidade incompatível com a dispersão de recursos da administração local, tanto mais que vivemos hoje apertos que continuarão e que determinam, cada vez mais, a máxima eficiência. Com troica ou sem ela!
Por outro lado, as nossas 4.259 freguesias têm 13.697 políticos nas juntas, mais os que aguardam no banco a entrada em jogo, todos fazendo bicha para um lugar com visibilidade. Descontados os muitos homens e mulheres devotados em exclusivo aos seus fregueses, esta é escadinha de ascensão partidária.


2. Competências atuais das freguesias
Para refletir sobre as funções e benefícios da existência deste vasto universo político, importa lembrar o papel das freguesias, pois só ocasionalmente nos apercebemos do que é realizado por estas ou por outras entidades, nomeadamente municipais.
O grosso da coluna que a lei lhes atribui consiste na manutenção de balneários, lavadouros e sanitários públicos, parques infantis e cemitérios, bem como de chafarizes, fontanários e abrigos de passageiros. O fornecimento de material de limpeza e de expediente aos estabelecimentos do 1º ciclo do básico e pré-escolar é outra das suas intervenções, além da gestão de baldios e emissão de atestados e licenças de cães e gatos.
A lista oficial é maior, dado constituírem terminal operacional dos municípios, incluindo a delegação de competências e os protocolos de colaboração. Neste âmbito participam no planeamento municipal de ordenamento do território, em projetos de construção e de ocupação da via pública, no recenseamento eleitoral e na proteção civil e combate a incêndios.


3. Freguesias para quê?
Aqui chegados, em linha com o debate da Reforma da Administração Local, perguntemos: que futuro para as freguesias?
A resposta é-nos dada em função do custo benefício comparativo da alternativa de execução das atribuições referidas no número 2. Freguesias ou os municípios a prestar tais serviços, o que resulta melhor?
Ninguém duvida que os atuais funcionários das freguesias dariam conta do recado se dependessem diretamente da Câmara Municipal. Conhecem o território e as pessoas, as tarefas e os deveres deontológicos e a mudança de supervisão nada alteraria. Deixariam de ter orientações de autarcas fregueses para responderem a eleitos municipais. Os cães continuariam a ter licenças, os mortos a ser enterrados e as paragens dos autocarros seriam pintadas quando fosse caso disso.
Há dias, perguntei a um amigo de uma Junta de Freguesia quais os principais campos de ação destas e falou-me na proximidade às populações e na limpeza urbana.
Curiosamente esta última é tarefa municipal, já que às freguesias compete apenas, recorde-se, a limpeza de balneários, lavadouros e sanitários, parques infantis e cemitérios, chafarizes, fontanários e abrigos de passageiros. A via pública é limpa pelos municípios, diz a lei, o que faz todo o sentido, pois esta centralização gera significativas economias de escala. E é impensável, no século 21, gerir a limpeza urbana sem equipamentos automáticos, caros, alguns só acessíveis a associações intermunicipais.
E quanto à proximidade com as populações, nalguns casos é útil e noutros não passa de mito útil. Vejamos dois exemplos do concelho de Vidigueira, duas aldeias a uns quilómetros da sede das respetivas juntas de freguesia. Não haverá um único habitante de Alcaria da Serra ou de Marmelar que sinta essa proximidade, pois tratar de qualquer coisa na freguesia é mais custoso do que ir à vila, que exerce força centrípeta pela maior oferta de serviços. Estes não serão casos únicos.
A incorporação nos municípios das competências atualmente a cargo das freguesias tornaria estas dispensáveis. Foram muito importantes, têm lugar cativo na história de Portugal e os portugueses estão-lhe gratos. Mas tiveram o seu tempo, era outro o tempo, um tempo que já passou. O tempo também dissolveu a crucificação punitiva e as sangrias curativas; fez o mesmo aos enterros nas igrejas e erradicou os regedores e o registo civil paroquial. Mudam-se os tempos...

A lei que as extinga converterá a secretaria da freguesia em delegação municipal, para ela transferindo equipamentos e pessoal, com os ajustes que se mostrem necessários.
Porém, há que garantir a representação das populações e essa democraticidade pode ser acautelada com a reformulação do modo de constituição das listas eleitorais municipais. Basta que uma parte dos candidatos seja, obrigatoriamente, residente nas povoações. As aldeias e localidades teriam, assim, o seu deputado municipal a quem bater à porta ou puxar as orelhas.
E não seria a lei que impediria os executivos municipais de atribuírem pelouros territoriais aos vereadores que, por esta via, geririam as delegações municipais nas povoações (herdadas das freguesias).

Conclusão
Um governo forte, convictamente interessado na eficácia e na eficiência na Administração Local, seguirá este caminho. O pessoal político, esse, repudiará a nova matriz local, dirá cobras e lagartos, fará abaixo-assinados e convocará manifestações em nome da salvação da Pátria. Desanuviará à medida que observe outros paises e constate que as subdivisões territoriais limitam a agilidade administrativa e encarecem-na.
Qualquer dia teremos aí um consenso contestatário, aliando a esquerda palavrosa à direita interesseira num chinfrim entre o arruaceiro e o mediático, num clamor de poeira para os olhos.
Logo que esse banzé se esfume, Portugal e os portugueses terão melhor Administração Local: sem freguesias.


Manuel A. Madeira
27 de Março de 2012

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