sexta-feira, 28 de maio de 2010

Contito: A menina e a linha

Contito do tempo do meu Avô



50% de ficção



O pai, no campo, cuidava do trigo e da cevada, dos grãos e do olival, quer fosse nos Guizos, no Airoso ou nas Fontes. Noutro campo, a casa, a mãe fazia o mesmo à prole de dois rapazes e cinco meninas com idades em escadinha. Esta irrequieta trupe, prendada pelo bicho-carpinteiro, tinha tanta energia como imaginação e se um dia punha o quintal do avesso no outro eram as galinhas a voar de pernas para o ar no quintalinho!

Enquanto o pai usava adubos, desbastes e mondas, a mãe tratava das barrigas, dos joelhos escalavrados, das birras e tropelias dos filhos. Outro tratamento, com boas migas, belos caldos e castigos quando eram precisos. Açorda com uvas era almoço sossegado, pois enquanto tiravam os bagulhos não se metiam em travessuras. A parreira do caramanchão dava as melhores uvas do mundo, por isso era impensável desperdiçá-las. Um dia um atrevido que as atirou à mana Jeja foi condenado: preso e amarrado… à cadeira! Foi preso à cadeira por uma linha. Um linha de alinhavar! Com uma voz branda, a mãe que nunca gritava, mandou: Zézinho vai buscar o carrinho de linhas!

No tempo do meu Avô, como ainda nos dias de hoje, essa linha é coisa frágil, não resiste a fraca força, qualquer toque a parte. A um filho condenado, a mãe atava-lhe a linha a um pulso ou tornozelo e a outra ponta a uma cadeira. E nada a partia... Porque, ontem mais que hoje, fugir da prisão não era para brincadeiras! Fugir da prisão da linha era caso muito sério, tinha agravamento da pena e a pena era a menina.

Os castigos estavam no código e, não sendo um tratado, não havia artigos com artimanhas. Era justo, todos os sete o sabiam. Porém, as infracções pagavam-se sem apelo nem agravo: pisaste o risco, já sabes, sopapo na hora, linha depois de jantar ou menina mais tarde, se havia visitas! Com conta, peso e medida, sempre por amor e para desburricar teimas e mandrias, enxertava-os também com nalgadas em caso de urgência ou com sobrancelha alçada nos delitos mais leves.

Vai buscar a Menina! doía só de ouvir. Era a pena máxima, ou quase… Em boa madeira de azinho, com uns dois centímetros de espessura, a menina era a palmatória justiceira. Com um redondo de seis centímetros de diâmetro num dos lados do cabo, tinha aí, bem no meio, cinco furos, de onde lhe vinha o nome dos cinco olhos. Menina dos cinco olhos era o seu nome completo.

Apesar da lembrança da linha que os prendera e apesar das vezes que a menina dos cinco olhos lhes pôs as mãos em brasa e os olhos em lágrimas… Apesar dos sopapos e dos puxões de orelhas, todos morreram de velhos, todos foram amados pela mãe e ela pelos sete adorada.

Fui testemunha. Muitas vezes os ouvi dizer: Só se perdem as que caiem no chão! Mas não tenho a certeza que fossem saudades da menina dos cinco olhos e da linha da mãe, a minha Avó Ruas!






Manuel A. Madeira
Lisboa, 11 de Setembro de 2008

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