O Senhor
Pires foi meu Professor de geografia e era também o encarregado das atividades
da Mocidade Portuguesa. Para os mais novos aqui deixo a bula da MP. Pretendia
ser uma fabriqueta de ativos agentes do salazarismo, seduzindo os jovens com chefias,
acampamentos de férias e farda com símbolos nacionais no bolso da camisa.
Como Professor guardo dele boas memórias. Sabedor, atento e tranquilo,
tinha os rapazes e as raparigas na mão. Dava a volta às pulantices de miúdos e
adolescentes sem gritos nem estaladas. Nem me lembro se usava puxões
de orelhas pedagógicos.
Na MP creio que só cumpria os serviços mínimos, reduzindo-os
às marchas de inspiração militar das quartas e sábados e poupando-nos à
doutrinação salazarista.
De facto, a pequena burguesia da Vidigueira de então era uma
comunidade avessa ao Estado Novo, com a contestação política centrada num dos
cafés da Rua Longa. Não passava de convicções e palavras, só palavras, sem
ato nem desacato. Por isso tolerada pelos delegados locais do regime.
É neste cadinho cultural que o Senhor Pires se afirma eticamente. E
afirmava-se perante os alunos logo nas primeiras aulas ao ser interpelado por
doutor e recusar o prefixo:
– Trata-me por Senhor Pires!
Não sendo licenciado, nunca lhe terá passado pela cabeça
ostentar essa marca nacional
de poucachinho que lhe macularia a dignidade de que jamais abdicou.
Tivesse Miguel Relvas passado pelas mãos de um Senhor Pires e não
seria hoje o mais grotesco motivo das gargalhadas de Portugal.
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