quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Senhor Pires


O Senhor Pires foi meu Professor de geografia e era também o encarregado das atividades da Mocidade Portuguesa. Para os mais novos aqui deixo a bula da MP. Pretendia ser uma fabriqueta de ativos agentes do salazarismo, seduzindo os jovens com chefias, acampamentos de férias e farda com símbolos nacionais no bolso da camisa.
Como Professor guardo dele boas memórias. Sabedor, atento e tranquilo, tinha os rapazes e as raparigas na mão. Dava a volta às pulantices de miúdos e adolescentes sem gritos nem estaladas. Nem me lembro se usava puxões de orelhas pedagógicos.
Na MP creio que só cumpria os serviços mínimos, reduzindo-os às marchas de inspiração militar das quartas e sábados e poupando-nos à doutrinação salazarista.
De facto, a pequena burguesia da Vidigueira de então era uma comunidade avessa ao Estado Novo, com a contestação política centrada num dos cafés da Rua Longa. Não passava de convicções e palavras, só palavras, sem ato nem desacato. Por isso tolerada pelos delegados locais do regime.
É neste cadinho cultural que o Senhor Pires se afirma eticamente. E afirmava-se perante os alunos logo nas primeiras aulas ao ser interpelado por doutor e recusar o prefixo:
Trata-me por Senhor Pires!
Não sendo licenciado, nunca lhe terá passado pela cabeça ostentar essa marca nacional de poucachinho que lhe macularia a dignidade de que jamais abdicou.
 
Tivesse Miguel Relvas passado pelas mãos de um Senhor Pires e não seria hoje o mais grotesco motivo das gargalhadas de Portugal.

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