O texto seguinte é de Vitor Bento, o economista da SIBS que
é também Conselheiro de Estado, foi publicado no Económico a 12 de Dezembro passado
e é um avisado aviso a Vitor Gaspar e seu auxiliar Passos.
Avisa também os reformados para não se deixarem ficar nos
seus sofás glutões e televisões recheadas de engodos chamados Fátima Lopes e
Fernando Mendes.
E sem os convocar, alerta-os para que não se fiquem pela
bisca lambida nos jardins, enquanto Gaspar os expropria ao som de embustes delambidos
do funerário Passos.
A transcrição é integral, salvo o título Formigarras e a
sugestão da sua leitura atenta e vagarosa.
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Um mau passo !
Uma das histórias contadas na minha infância – creio que integrava um dos livros de leitura – falava de uma terra onde os filhos costumavam levar os pais velhos, que já não podiam trabalhar, para o cimo de um monte, onde ficavam sozinhos, à espera do fim.
Certa vez, quando um dos
filhos dessa terra cumpria o ritual, colocando o velho pai no tal monte e
deixando-lhe uma manta para se abrigar do frio enquanto sobrevivesse, o ancião
perguntou-lhe se não teria por acaso uma faca consigo.
Ao que o filho respondeu:
"Tenho, sim senhor. Para que a quer?". "Para que cortes esta
manta ao meio e guardes metade para ti, para quando o teu filho te trouxer para
este lugar!".
Como estas histórias eram
destinadas a retirar uma consequência moralizadora, o rapaz percebeu o alcance
do pedido, levou o pai de volta para casa e com isso se acabou o terrível
costume.
Lembrei-me da história a
propósito do artigo 76º do OE 2013 (versão da proposta) e, muito em particular,
em particular do seu número 2. Este preceito exige dos reformados - e só deles!
- o pagamento de uma "contribuição extraordinária de solidariedade",
que, em termos marginais, pode ir até aos 50%, para além do corte de 90% de um
subsidio e dos impostos a que as pensões já estão sujeitas - nomeadamente o
IRS, progressivo. Isto provoca, em muitos casos, uma drástica redução de
rendimento para quem, tendo planeado a fase final do seu ciclo de vida com base
numa promessa do contrato social, nuns casos, ou de puros contratos, noutros
casos, já não dispõe de condições nem de tempo para reajustar o seu plano de
vida à violenta quebra dessa promessa e ao consequente desmoronamento da fase
final desse seu plano.
Por isso - e a não ser
que me esteja a escapar qualquer coisa que torne este meu raciocínio num grave
erro - me parece que aquela norma viola tantos princípios da justiça
distributiva - da justiça intergeracional, à equidade, à igualdade, à proporcionalidade,
... -, que não vejo como tal manta possa escapar à faca da vigilância
constitucional. E, se não escapar, será um risco desnecessário para a execução
orçamental.
E não é apenas a justiça
distributiva que está em jogo. É que, ao estender-se às pensões oriundas de
fundos de pensões e às rendas vitalícias - que não constituem uma
redistribuição contemporânea de rendimento, como é o caso das pensões da
Segurança Social ou da Caixa Geral de Aposentações, mas são a distribuição de
património já acumulado e que, por direito, pertence aos beneficiários dessas
pensões -, a norma pode ainda ser vista como um verdadeiro confisco de
património privado.
É pena que tal zelo nunca
tenha sido aplicado às rendas no sector não transaccionável. Não só por
questões suscitáveis em sede de equidade na distribuição dos imperativos de
solidariedade, mas porque aquelas constituem um factor de erosão da
competitividade do sector transaccionável, de que depende a recuperação e a
sustentabilidade do crescimento da economia.
Enfim, tal como uma
andorinha não faz a primavera, uma medida injusta não contamina todo um
programa, nem define, só por si, a justiça global desse programa. Embora possa
contribuir, desnecessariamente, para a erosão do consenso social e político de
que depende o seu sucesso. Preserve-se, pois, o essencial - em que é preciso
perseverar, com paciência e estoicismo -, porque ele é indispensável.
Vitor Bento, Economista
http://economico.sapo.pt/noticias/um-mau-passo_158251.html
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