terça-feira, 6 de julho de 2010

A malta do Gedeão

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.Poema da malta das naus



Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do Sol.


Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo,
pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.


Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias,
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.


Chamusquei o pêlo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me as gengivas,
apodreci de escorbuto.


Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.


Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.


Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.


Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.


O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.



Autor: António Gedeão

In Teatro do Mundo, 1958

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